martedì 26 agosto 2008

"- Sei rezas com que venço a qualquer mau olhado,
breves para deixar todo o corpo fechado.
Não há faca que o vare e nem ponta de espinho:
fica o corpo tal qual o corpo do Dioguinho...
Mas de onde vem o mal que tanto de abateu?

- Ele vem de um olhar que nunca será meu...
Como está para o sol a luz morta da estrela
a luz do próprio sol está para o olhar dela...

Parece o seu fulgor quando o fito direito,
uma faca que alguém enterra no meu peito,
veneno que se bebe em rútilos cristais
e, sabendo que mata, eu quero beber mais...

- Eu já compreendo o mal que teu peito povoa.
Dize Juca Mulato, de quem é esse olhar?
- Da filha da patroa.

- Juca Mulato! Esquece o olhar inatingível!
Não há cura, ai de ti, para o amor impossível.
Arranco a lepra do corpo, estirpo da alma o tédio,
só para o mal de amor nunca encontrei remédio...
Como queres possuir o límpido olhar dela ?
Tu és qual um sapo a querer uma estrela...

A peçonha da cobra eu curo... Quem souber
cure o veneno que há no olhar de uma mulher!
Vencendo o teu amor, tu vences teu tormento.
Isso conseguirás só pelo esquecimento.
Esquecer um amor dói tanto que parece
que a gente vai matando um filho que estremece
ouvindo, com terror, no peito, este estribilho:
"Tu não sabes, cruel, que matas o teu filho?"

E, quando se estrangula, aos seus gemidos loucos,
a gente quer que viva e vai matando aos poucos!
Foge! Arrasta contigo essa tortura imensa
que o remédio é pior do que a própria doença,
pois, para se curar um amor tal qual esse...

- Que me resta fazer ?

- Juca Mulato: esquece!"

Vínicius, novamente..

A brusca poesia da mulher amada (II)

A mulher amada carrega o cetro, o seu fastígio
É máximo. A mulher amada é aquela que aponta para a noite
E de cujo seio surge a aurora. A mulher amada
É quem traça a curva do horizonte e dá linha ao movimento dos
astros.
Não há solidão sem que sobrevenha a mulher amada
Em seu acúmen. A mulher amada é o padrão índigo da cúpula
E o elemento verde antagônico. A mulher amada
É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro
No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso
É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen.
É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada
E sua ausência. Longe, no fundo plácido da noite
Outra coisa não é senão o seio da mulher amada
Que ilumina a cegueira dos homens. Alta, tranqüila e trágica
É essa que eu chamo pelo nome de mulher amada.
Nascitura. Nascitura da mulher amada
É a mulher amada. A mulher amada é a mulher amada é a mulher
amada
É a mulher amada. Quem é que semeia o vento? – a mulher amada!
Quem colhe a tempestade? – a mulher amada!
Quem determina os meridianos? – a mulher amada!
Quem a misteriosa portadora de si mesma? A mulher amada.
Talvegue, estrela, petardo
Nada a não ser a mulher amada necessariamente amada
Quando! E de outro não seja, pois é ela
A coluna e o gral, a fé e o símbolo, implícita
Na criação. Por isso, seja ela! A ela o canto e a oferenda
O gozo e o privilégio, a taça erguida e o sangue do poeta
Correndo pelas ruas e iluminando as perplexidades.
Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas.
Poder geral, completo, absoluto à mulher amada!



Rio de Janeiro, 1950
"De manhã escureço
de dia tardo
de tarde anoiteço
de noite ardo."

- Vinícius de Moraes

martedì 19 agosto 2008

"São demais os perigos desta vida
Para quem tem uma paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer,
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher."

Vinícius de Morais



venerdì 15 agosto 2008

SÓ POR HOJE

"Os dez mandamentos para obter a paz, segundo o Papa João XXIII:

Só por hoje procurarei viver exclusivamente este meu dia, sem tentar resolver de imediato o problema de toda minha existência.

Só por hoje terei o máximo cuidado com o meu modo de tratar as pessoas; sendo delicado em minhas maneiras, não criticando a ninguém, não pretendendo melhorar ou disciplinar ninguém, se não a mim.


Só por hoje me sentirei feliz com a certeza de ter sido criado para ser feliz, não só no outro mundo, mas também neste.


Só por hoje ajustar-me-ei à realidade; sem procurar fazer com que as coisas se ajustem aos meus próprios desejos. Aceitarei o que o destino me oferecer e a isso me adaptarei.


Só por hoje dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura; lembrando-me que assim como é preciso comer para sustentar o meu corpo, assim também a leitura é necessária para alimentar a vida de minha alma.


Só por hoje exercitarei meu espírito de dois modos: farei uma boa ação sem contá-la a ninguém e farei uma coisa que não gosto, de que não tenho vontade de fazer, como disciplina. Se for ofendido nos meus sentimentos procurarei que ninguém o saiba.


Só por hoje farei um programa bem completo do meu dia. É possível que não o siga exatamente, mas em todo o caso o terei. E me guardarei de duas calamidades: a pressa e a indecisão.


Só por hoje terei meia hora de quietude a sós e, então, repousarei. Durante essa meia hora procurarei obter uma melhor perspectiva de minha vida.


Só por hoje ficarei firme na fé, com a certeza que a Divina Providência se ocupa de mim, como se somente eu existisse no mundo, ainda que as circunstâncias manifestem o contrário.


Só por hoje não terei medo de nada. Principalmente não terei medo de gozar do que é belo e de acreditar que, do mesmo modo como eu me der ao mundo, assim o mundo me dará."